D
|
omingo, uma tarde gostosa, sozinho, tranquilo, assistindo um futebol, depois
de uns drinks com amigos, me vem um momento de reflexão. Sinto aquele incomodo
já conhecido de meu joelho, que nos dois últimos dias me deixou quase sem
andar. Para ler e escrever, os óculos
são imprescindíveis, e na prateleira umas caixinhas de remédios, que minha
médica diz que não é nada demais, mas cacete, se é assim por que ela não os
toma em meu lugar?
Aí começamos a navegar em pensamentos sem limites. E uma questão veio à
minha mente. Se o tempo fosse “mexível”, e se tivesse uma opção de escolha, será
que valeria a pena trocar os amigos, a família, com os altos e baixos, por uma nova
vida, com bem menos cabelos brancos, joelhos bons, e um corpo novo e saudável? Confesso que ao me fazer esta pergunta, numa
análise bem fria, me engasguei na resposta. O tempo, que já foi motivo de
muitos drinks em nossas conversas, é naturalmente implacável, não para. A
consequência, para todos nós, é um envelhecimento inevitável, que uns curtem
mais do que outros, se tornam mais amáveis, outros mais ranzinzas, menos
otimistas, e eu me coloco no time dos mais tranquilos, acho até que gosto mais
de mim como sou, mais tolerante, mais livre para errar, e de me comportar do
jeito que eu gosto, sem muita censura, seja de quem for.
Mas se tivéssemos a obrigação dessa escolha maluca? Se você, num
determinado momento, se alcançasse determinada idade, por exemplo, nossos 60
anos, tivesse que escolher entre manter a sua vida tal como ela é, dando
continuidade ao seu envelhecimento natural, ou um rejuvenescimento em outra
vida, sem a família de hoje, sem os amigos, e sem os remédios que a cada ano
aumentam em nossas prateleiras? Para
muitos uma decisão muito difícil, talvez até mesmo impossível, mas seria capaz
de apostar que teríamos muitos “renovados” andando entre nós.
Com nossos sessenta e poucos anos, já passamos por várias turmas, mas é
claro que é comum mantermos, além da família, algumas células básicas de
amizades, que hoje, com o apoio das redes sociais, são fortalecidas e até mesmo
renovadas. Infelizmente muitos de nossos parentes e amigos já nos deixaram,
alguns até cedo demais, sem o tempo de alcançarem os benefícios (?) e a
liberdade (?) desse nosso tempo de vida.
Em linhas gerais, não deveria haver censura para os idosos que ainda se
encontram ativos, e menos ainda, para aqueles que simplesmente preferem o
merecido ócio, sem tempo para dormir ou acordar, mas nesse momento de decisão,
é certo que viria em nossas mentes não apenas esses momentos atuais mas também,
e com muita força para alguns, aqueles que formaram o nosso passado, a nossa
vida passageira, com os amores perdidos, os que ficaram, os que deveriam ter
ficado, os locais que conhecemos, as pessoas e, em especial, a família e os
amigos.
E ainda pensando nessa loucura, imaginamos como poderia ser este
momento. Talvez, numa sala especial onde se encontraria um grupo de pessoas, todos
na mesma idade, e aguardando a hora de decidir o seu caminho. Ao seu redor,
pessoas desconhecidas, familiares, e amigos de vários grupos. Alguns já
decididos, prontos para serem renovados para uma nova vida, novas aventuras,
quem sabe uma nova família e novos amigos.
Outros prontos para voltarem para suas casas e darem continuidade ao seu
envelhecimento, ao lado de seus familiares, amigos e suas lembranças. E num canto, mais nervosos, agitados, um
grupo de pessoas ainda nitidamente indecisos. Cada um com sua razão. Uns com
leves sorrisos, que pareciam não entender o que estariam fazendo ali, as fichas ainda não tinham caídas. Outros,
em prantos, pareciam ter medo das mudanças que viriam. Teriam que arriscar uma situação melhor, ou mesmo de conseguirem melhorar a situação que tinham na vida atual.
Eu me vejo num canto, pronto para decidir. Olho para
essa turma toda e faço uma reflexão de como foi meu tempo, do que fiz e deixei
de fazer, e também do que poderia fazer. Penso que não aceitando, meus cabelos ficariam mais brancos, ou mesmo sumiriam, minha memória poderia começar
a falhar e os remédios não parariam de ser receitados. Na minha família e nos amigos, os
que iriam na frente e os que viriam a minha partida, e mesmo se teria mais oou menos tempo de vida pela frente. Por outro lado, se desejasse a renovação, ganharia uma nova chance de vida, que poderia ser melhor ou pior da vida que levei e que levo até hoje, e quem sabe poderia até não chegar novamente aos sessenta.
No entanto estaria ali para responder uma pergunta,
para tomar uma decisão, uma situação que muitos já teriam passado e outros
estariam na porta para também decidirem. O que fazer? O que responder? Muito
simples, minha decisão seria...