sábado, 12 de março de 2022

DIAS INESQUECÍVEIS


Ontem foi um daqueles dias que a gente nunca vai esquecer, independente da idade ou da época. Passei  por um procedimento cirúrgico, já realizado por alguns de nossos amigos, mas que nenhum deles comentou como fiz ao longo desta tarde de 11 de março de 2022. Fiz a extração de 8 dentes e coloquei  4 implantes que darão suporte a uma “prótese protocolo (total)” que será aplicada na arcada inferior.  Uma experiência nada agradável , mas necessária, e consequência natural da idade e da falta de um tratamento adequado ao longo dos anos, que reconheço e não tenho como negar.

Por outro lado tenho que parabenizar a equipe que me atendeu, pois além de lindas moças, foram extremamente profissionais, e até agora, ainda com menos de 24h, estou muito bem, sem dores, mas atendendo a todas as recomendações médicas, muito sorvete e líquido gelado.


Claro que consegui algumas fotos do procedimento, mas sei que nem todos gostariam de aprecia-las tanto quanto eu, portanto deixo algumas mais simples para que possam curtir o antes, durante e depois, e que possam também servir de aviso para que não se descuidem, pois o tempo passa e o balde nos espera.

Mas a história tem início há muito tempo, desde criança, e achei que pode ser interessante e até útil para os nossos jovens em relação aos devidos cuidados dentários, que  nossos amigos e dentistas,  Dellaney e Sandra, tanto nos chamou atenção ao longo de nossas vidas, principalmente que depois de formados, eu e minha família, e tantos outros amigos, viramos seus pacientes e levamos muitos puxões de orelhas.

Não sei dizer como foram meus dentes de leite, mas tão logo os definitivos foram nascendo, meus problemas iniciaram. Muito novo, na faixa dos 15 anos, talvez nem com toda a dentição permanente, tive que arrancar um dente que começou com uma pancadinha e uma dorzinha, daquela que a gente acha que vai passar e só reclama quando bate um gelado, e que naturalmente escondemos  dos pais até que um dia não tem mais como não ir ao dentista, pois só de pensar naquele motorzinho, já era razão para tentar esquecer as bochechas inchadas. E o pior veio junto com a dor de dente e o inchaço, uma inflamação daquelas que o dentista é cruel no diagnóstico: balde ( a grande alegria de nosso querido Della ).

Naquele tempo, mais de meio século atrás, a odontologia não era tão evoluída como é hoje e não saberia dizer se o dente poderia ou não ser salvo. E não tinha como não aceitar o diagnóstico do Dr. Dilson, um profissional qualificado e Prof. da Faculdade de Odontologia, e além disso ainda gostava de um drink, tanto que em um de nossos atendimentos, minha mãe, com aquele jeitinho que todos conhecem, só faltou pegar um boticão para tirar um dente dele, já que ele mal conseguia ficar em pé, mas isso foi bem depois da batalha dentária que eu iria enfrentar.

Foi minha primeira extração, fora de tempo, e um dia que a gente realmente não tem como esquecer. Fui ao dentista acompanhado por um tio, pois minha mãe já sabia que seria uma situação muito difícil, e assim foi. A anestesia não pegava direito, e o Dr. deixou bem claro que teria que extrair aquele dente, pois era muito arriscado continuar daquele jeito. Ele pediu para meu tio ajudar a me segurar na cadeira, mas no desespero que eu estava, ele sozinho não conseguia e chamou mais duas pessoas que estavam na sala de espera para ajuda-lo. Me lembro bem que numa das minhas tentativas de fuga, consegui derrubar um no chão, mas depois de muito choro, gritos e do próprio desgaste pela luta, conseguiram me segurar e o ágil Doutor, de um jeito que nem sei como, conseguiu tirar o dente, que já deveria estar meio mole. Foi uma experiência que marcou muito e talvez tenha servido para eu não ter sido muito “frequente” nos Consultórios Dentários.

Minha segunda experiência, e que tenho também uma forte lembrança, foi poucos anos depois, quando numa consulta, ainda sob os cuidados do Dr. Dilson, MAIS uma vez ele veio com aquele discurso de teríamos de fazer uma extração. Tenho certeza que notei um risinho, o mesmo que Dellaney deixava escapar quando me mostrava o balde em nossas últimas e derradeiras consultas.

Eu tinha um dente no “céu da boca”, que já tinha sido notado pelo Dr. em consulta anterior, mas que não doía, e eu até brincava com ele. No entanto, após seu diagnóstico, ele me disse que não poderia continuar daquele jeito e que iria esperar um pouco mais para definir o tratamento. Após alguns Raios X, o Professor afirmou que mesmo de aparência inofensiva, sem dor, era uma anomalia e que poderia trazer alguns problemas na saúde bucal. Disse que era um dente extranumérico e que estava pressionado pela falta de espaço na minha arcada dentária, e a solução era o famigerado balde e pediu autorização para trazer uns alunos para verem a técnica, pois era um tratamento especifico e um dos problemas estaria relacionado com o palato que poderia até ceder, o que me deixou realmente com aquelas pulguinhas atrás das orelhas. Lembro que foi uma semana muito difícil para mim, e que fui escondido em seu Consultório para perguntar se não tinha um outro “jeito” para resolver o problema, e ele estava num daqueles dias alegres, me abraçou e disse para voltar no dia da consulta marcada. Deu uma risada e trancou a porta.

Não tive como escapar, e no dia e hora marcados, lá estava eu, um pouco mais calejado e com a promessa do Doutor que não iria doer, era só umas duas agulhadas e nada mais (isso não mudou, eles continuam a mentir com uma facilidade que a gente quase acredita). Com ele estavam dois alunos e depois das apresentações, ele me colocou na cadeira e explicou o que faria. Deu uma verdadeira aula, inclusive para mim, e acredito q me ajudou a relaxar, mas o tal do palato caído não saia da minha cabeça.

Ele iniciou colocando uns algodões na boca e dando uma primeira anestesia bem superficial, que doeu bem menos que eu esperava. Depois comentou que era um primeiro toque para minimizar o efeito das agulhadas seguintes, que mesmo assim doeram, afinal não são todos os dias que arrancamos um dente no céu da boca. Cheguei a lembrar daquela minha batalha alguns anos atrás, mas ele mesmo chamou esta atenção, dizendo para os alunos que eu tinha lhe dado muito trabalho mas com uma técnica que não sei qual foi, ele conseguiu grampear e tirar um dente quebrado e infeccionado, e que eu tinha dado sorte de não ter pego uma infecção maior.

A anestesia foi um sucesso e eu consegui relaxar, e também tenho certeza que após esse dia passei a me controlar bem melhor nos Consultórios. Um trauma bom superou um trauma ruim. E tudo ia muito bem, o Professor terminou sua aula e os alunos já se preparavam para ir embora quando segurei a mão de um deles e apontei para minha boca. Ele não entendeu direito, pois tudo tinha dado certo, mas insisti e ele chamou o Dr. Dilson, que olhou, pegou uma pinça e tirou um chumaço de algodão, que eu achava que era o “palato que tinha caído”. Outro dia inesquecível.

Mas não parou aí. Nos meus  17 anos, e esta data eu lembro bem e vocês logo vão saber o porquê e algumas consequências.  De um sangramento nas gengivas que não cuidei bem, o fluxo aumentou e também apareceu nos dentes da frente uma pulgação que me preocupou mais quando levei uma cotovelada num treinamento (Karate) e um dente da frente, central ficou abalado, e eu quietinho, esperando o dente ficar melhor, no entanto não tem jeito, quando a gente se machuca sempre nos machucamos novamente no mesmo local, e quando achava que estava melhor, mesmo com o sangramento incomodando, resolvi comer uma maçã do amor, que de amor não tinha nada, e quebrei o dente da pancada, de cima abaixo.  E lá fui eu para o Professor Dilson, que naquela época já bebia um pouco mais e nem atendia como antes. Mas eu tinha que tratar e veio novamente um diagnóstico que me apavorou. Disse ele que além do dente com a raiz fraturada, estava também com uma tal de ”piorreia”, e teria que tirar os dois dentes da frente, e talvez outros. A solução, mais uma vez, foi o sinistro balde.

E dessa vez me abalou mesmo.  Hoje eu sei que passei por um período de depressão. Não saia de casa, e atormentado porque o Professor tinha me dito que precisava de um tratamento urgente nas gengivas pois a piorreia poderia me fazer perder todos os dentes. Uma ameaça que me deixou para baixo. Me afastei até da namorada, e sem explicar muito acabei por terminar com o namoro com a Sonia, e ela não entendeu nada, e acho que até hoje, quase 40 anos de casado, ela ainda não entende bem o que houve, quem sabe se a leitura deste texto não poderá ajudar? Isto é se ela ler, já que como tantos de nossos amigos, infelizmente não acompanham nosso blog.

Fui para uma Clínica, na Tijuca, fiz alguns exames e tive uma boa notícia, que eu tinha chegado a tempo, a gengivite era forte mas a piorreia não tinha sido diagnosticada e o chato é que talvez pudesse ter salvado o dente que não estava quebrado. Iniciei o tratamento imediato com uma cirurgia num quadrante superior, e só depois da cicatrização deste e dos outros, que ele, Dr. Ari, recomendava a colocação de um root ortodôntico, aparelho muito utilizado na época, e isso iria demorar pelo menos uns dois meses.

Liguei para meu pai, que trabalhava em São Paulo e expliquei a situação. Ele entrou em contato com o setor médico da RFFSA e lá fui eu para Sampa (algumas vezes com o Anterão a tira-colo) ouvir outra opinião. Cheguei com o bigodão que tampava o buraco dos dentes e o dentista local tinha outra visão, de que poderia colocar o aparelho e tratar as gengivas com outra técnica, sem a cirurgia que tinha sido feito, e em uma semana já estava com os dentes da frente, e sem o bigodão, e voltando a cada 15 dias para terminar o tratamento, com a vantagem de aproveitar algumas festas no Nacional, clube ferroviário que meu pai era Diretor Social e uns drinks noturnos, quando meu pai me apresentou Benito de Paula e Amália Rodrigues, uma famosa cantora portuguesa de fado, além de fazer uma amizade bem colorida com uma assistente da clínica.  Foi um bom período e o melhor, sem balde.

Nessa época, me alistei na Aeronáutica, para fazer prova para a Academia, e não passei. Fui para a Marinha, fiz a minha prova, que foi bem fácil, e também a do Santa, mas na hora de marcar meus  cartões sobrou questão e resposta e me enrolei, não dando tempo de revisar, resultado, nem fui ver o resultado, e no ano seguinte, já na Faculdade, tinha que me apresentar para o serviço militar, e para não viajar e atrapalhar os estudos, resolvi ir para o Exército, mas na apresentação me colocaram naquela sala cheio de moleques e os veteranos sacaneando todo mundo. Vi que eu seria peão e também atrapalharia a Faculdade, então resolvi a parada na avaliação médica. Estava tudo bem, físico legal, teste de força com parabéns do instrutor e veio a inspeção dos dentes, eu tinha tirado o aparelho e forçado a gengiva com a escova de dente, que deixou marcado um pequeno sangramento.  O sargentão veio, mandou abrir a boca e foi logo perguntando sobre a falta dos dentes e a situação das gengivas, minha resposta foi direta, “tenho piorreia e estou tentando tratar”, levei uma cruz vermelha no peito e reprovado no exame. Voltei para casa e agradeço a lembrança do Dr Dilson e do balde.

E após esses dias inesquecíveis, foram quase 40 anos de eventuais baldes, que depois da pandemia, quando parei o tratamento das gengivas, que tinha iniciado pouco antes, veio a maior das consequências, cada visita ao Dr. Dellaney, era um dente no balde, sempre acompanhado de um sorrisinho e sua frase mais habitual, “eu te avisei”, e avisou mesmo.    

E por tudo isso, por esses dias inesquecíveis, hoje reconheço que não dei a atenção necessária aos meus dentes e por isso recomendo sempre para os filhos e netos, e também para os amigos em geral, que não se descuidem dos dentes e das gengivas, tal como meus amigos, Dellaney e Sandrinha, sempre alertaram, a mim e a vários amigos de nosso grupo.

Até breve.