Em um texto sempre atual, Sérgio Porto, "fotografou" a alma da mulher carioca em seu livro "As Cariocas". Drinks&Kibe localizou um texto de Andrea Ormond onde ela nos conta um pouco desta publicação e que terça-feira, chega as telinhas dos brasileiros.
Bjos.
Drinks&Kibe
Há exatos quarenta anos “As Cariocas” (1966) chegava aos cinemas do Brasil. Baseado no livro homônimo de Sérgio Porto – o popular Stanislaw Ponte Preta – e dividido em três episódios, o filme buscava imitar no espírito da obra literária a crônica urbana da cidade-síntese do país e mais especificamente das mulheres – ou de tipos femininos – que povoavam a cidade.
“As Cariocas” utiliza três histórias do livro, que possui originalmente seis. Uma quarta história, “A Donzela da Televisão”, viraria em 1970 “Em Busca do Susexo”, restando “A Desquitada da Tijuca” e "A Currada de Madureira", inéditas em adaptações para o cinema.
Aqui coube a Fernando de Barros recriar “A Grã-Fina de Copacabana”; a Walter Hugo Khouri, no ano de “Corpo Ardente”, materializar “A Noiva do Catete”; e a Roberto Santos, uma livre interpretação de “A Desinibida do Grajaú”.
Como o leitor pode perceber, é necessário conhecimento profundo da geografia sentimental e social do Rio de Janeiro (então o estado da Guanabara) para se iluminar melhor as nuances de "As Cariocas". A cidade mudou muito desde então, mas sobrevivem algumas contradições já presentes naquela metade da década de 60: zona norte e zona sul, litoral e subúrbios, ricos e pobres.
E se o livro trazia nestas contradições uma unidade, no estilo irônico e ágil de Sérgio Porto, o filme peca pela desigualdade e desinteresse em alguns momentos. Mesmo que a abertura – com imagens do cotidiano nativo, voice-offdo próprio escritor, e a música de Damiano Cozzela e Rogério Duprat – prometa uma viagem ao paraíso cosmopolita.
O primeiro episódio, de Fernando de Barros, pouco acrescenta além da montagem dos fatos narrados no conto “A Grã-Fina de Copacabana”. Quase nada recria, sendo, coincidentemente, também o texto mais fraco do livro: Paula (Norma Bengell), uma dondoca da zona sul, faz acordo com um escroque, Cid (John Herbert), para conseguir o automóvel importado que deseja.
No quesito curiosidade, temos a atriz e ex-apresentadora de filmes (ao lado do gato Zé Roberto), Célia Biar (falecida em 1999), fazendo uma ponta; Copacabana antes dos aterros, com uma pista única de carros; e, ao fundo, no extremo do Posto 6, onde hoje é o Sofitel Rio Palace, a velha Tv Rio (sim, o Rio era uma cidade tão extraordinária que tinha uma emissora de tv sediada na praia!).
Já o episódio de Khouri (grafado como Khoury) destaca-se mais pela investigação estética do tema proposto do que propriamente pela força narrativa. Se a “noiva do Catete” de Sérgio Porto transborda uma espécie de doçura perversa, o olhar de Khouri faz Martinha (Jacqueline Myrna) flanar pela vida sem entender bem por que, administrando situações sexuais com vários amantes, sem os quais sua existência não faria muito sentido.
Como de costume, Khouri estava inspirado, e a movimentação quase silenciosa de Martinha ganha ricos contornos na sua visita a um antiquário (e a abordagem sugestiva por outra garota atraente), e no adágio com o amante mais velho (Sérgio Hingst), dentro do apartamento conjugado onde mora.
Percebida de forma melancólica, a moça do diretor inspira uma pena diferente da concebida pelo autor, que no livro chama-se Luci. Em comum, as duas utilizam-se do recurso de uma tia imaginária para espantar os amantes mais curiosos; além de um certo desprezo recalcado pelo poder fálico dos homens que trafegam (sempre provisoriamente) por sua cama.
O terceiro e último episódio, dirigido por Roberto Santos, é sem dúvida o melhor. Adaptando o texto “A Desinibida do Grajaú”, Roberto reformula a personagem, deslocando Marlene (Íris Bruzzi) para a Penha e inventando um programa inquisidor de tv (já na Tv Globo, recém-inaugurada), no qual Marlene espia seus pecados de garota da zona norte que, ao virar “celebridade”, adquire os hábitos avançados da zona sul, causando conflitos no conservador bairro de origem.
Interessante que, no livro, a personagem faça movimento migratório exatamente contrário: moradora do Leme, se muda para o Grajaú e causa um rebuliço por seu comportamento pra frentex. Quarenta anos passados, com a uniformização cultural generalizada pelos meios de comunicação, talvez essa distância conceitual entre bairros não seja mais tão dramática, tornando o episódio um oportunista sensacionalismo sociológico.
E, prestando-se bastante atenção, a prova mais pitoresca de que quarenta anos são uma vida pode ser encontrada muito além das variações comportamentais da urbe: nos créditos inicias de “As Cariocas”, o produtor da Boca do Lixo paulistana, Antonio Polo Galante, ainda aparece como maquinista, dois anos antes de fundar com Alfredo Palácios a Servicine e realizar quase seis dezenas de filmes.
Sérgio Porto, por outro lado, foi embora desse mundo cedo demais, em setembro de 68 aos 45 anos de idade, e, apesar dos pesares, deve ter ficado satisfeito com o esforço cinematográfico para suas histórias. Começando então a trafegar da crônica para o conto, se tivesse sobrevivido com certeza escreveria mais e melhor ficção, propiciando mais e melhores filmes brasileiros de qualidade com a assinatura do sobrinho da sábia Zulmira, o inesquecível Stanislaw Ponte Preta.
Aqui coube a Fernando de Barros recriar “A Grã-Fina de Copacabana”; a Walter Hugo Khouri, no ano de “Corpo Ardente”, materializar “A Noiva do Catete”; e a Roberto Santos, uma livre interpretação de “A Desinibida do Grajaú”.
Como o leitor pode perceber, é necessário conhecimento profundo da geografia sentimental e social do Rio de Janeiro (então o estado da Guanabara) para se iluminar melhor as nuances de "As Cariocas". A cidade mudou muito desde então, mas sobrevivem algumas contradições já presentes naquela metade da década de 60: zona norte e zona sul, litoral e subúrbios, ricos e pobres.
E se o livro trazia nestas contradições uma unidade, no estilo irônico e ágil de Sérgio Porto, o filme peca pela desigualdade e desinteresse em alguns momentos. Mesmo que a abertura – com imagens do cotidiano nativo, voice-offdo próprio escritor, e a música de Damiano Cozzela e Rogério Duprat – prometa uma viagem ao paraíso cosmopolita.
O primeiro episódio, de Fernando de Barros, pouco acrescenta além da montagem dos fatos narrados no conto “A Grã-Fina de Copacabana”. Quase nada recria, sendo, coincidentemente, também o texto mais fraco do livro: Paula (Norma Bengell), uma dondoca da zona sul, faz acordo com um escroque, Cid (John Herbert), para conseguir o automóvel importado que deseja.
No quesito curiosidade, temos a atriz e ex-apresentadora de filmes (ao lado do gato Zé Roberto), Célia Biar (falecida em 1999), fazendo uma ponta; Copacabana antes dos aterros, com uma pista única de carros; e, ao fundo, no extremo do Posto 6, onde hoje é o Sofitel Rio Palace, a velha Tv Rio (sim, o Rio era uma cidade tão extraordinária que tinha uma emissora de tv sediada na praia!).
Já o episódio de Khouri (grafado como Khoury) destaca-se mais pela investigação estética do tema proposto do que propriamente pela força narrativa. Se a “noiva do Catete” de Sérgio Porto transborda uma espécie de doçura perversa, o olhar de Khouri faz Martinha (Jacqueline Myrna) flanar pela vida sem entender bem por que, administrando situações sexuais com vários amantes, sem os quais sua existência não faria muito sentido.
Como de costume, Khouri estava inspirado, e a movimentação quase silenciosa de Martinha ganha ricos contornos na sua visita a um antiquário (e a abordagem sugestiva por outra garota atraente), e no adágio com o amante mais velho (Sérgio Hingst), dentro do apartamento conjugado onde mora.
Percebida de forma melancólica, a moça do diretor inspira uma pena diferente da concebida pelo autor, que no livro chama-se Luci. Em comum, as duas utilizam-se do recurso de uma tia imaginária para espantar os amantes mais curiosos; além de um certo desprezo recalcado pelo poder fálico dos homens que trafegam (sempre provisoriamente) por sua cama.
O terceiro e último episódio, dirigido por Roberto Santos, é sem dúvida o melhor. Adaptando o texto “A Desinibida do Grajaú”, Roberto reformula a personagem, deslocando Marlene (Íris Bruzzi) para a Penha e inventando um programa inquisidor de tv (já na Tv Globo, recém-inaugurada), no qual Marlene espia seus pecados de garota da zona norte que, ao virar “celebridade”, adquire os hábitos avançados da zona sul, causando conflitos no conservador bairro de origem.
Interessante que, no livro, a personagem faça movimento migratório exatamente contrário: moradora do Leme, se muda para o Grajaú e causa um rebuliço por seu comportamento pra frentex. Quarenta anos passados, com a uniformização cultural generalizada pelos meios de comunicação, talvez essa distância conceitual entre bairros não seja mais tão dramática, tornando o episódio um oportunista sensacionalismo sociológico.
E, prestando-se bastante atenção, a prova mais pitoresca de que quarenta anos são uma vida pode ser encontrada muito além das variações comportamentais da urbe: nos créditos inicias de “As Cariocas”, o produtor da Boca do Lixo paulistana, Antonio Polo Galante, ainda aparece como maquinista, dois anos antes de fundar com Alfredo Palácios a Servicine e realizar quase seis dezenas de filmes.
Sérgio Porto, por outro lado, foi embora desse mundo cedo demais, em setembro de 68 aos 45 anos de idade, e, apesar dos pesares, deve ter ficado satisfeito com o esforço cinematográfico para suas histórias. Começando então a trafegar da crônica para o conto, se tivesse sobrevivido com certeza escreveria mais e melhor ficção, propiciando mais e melhores filmes brasileiros de qualidade com a assinatura do sobrinho da sábia Zulmira, o inesquecível Stanislaw Ponte Preta.
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