sábado, 7 de maio de 2011

O Carnaval não acabou: Da festa da colheita aos mijões no Bola Preta ...


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icardo de Moraes, nosso querido “Pirulito”, ou “Magrinho”, dos tempos da Faculdade, hoje é um tremendo Pesquisador e Produtor Cultural, e além de tudo, profundo conhecedor do Carnaval do Rio de Janeiro.

Pirulito é colaborador, compositor insistente e integrante do Simpatia é Quase Amor, um dos maiores blocos do Rio de Janeiro. É ativista de carteirinha, com cadeira cativa, do Bloco do Barbas, de Botafogo, mas tem um amor profundo, e não falta a um desfile do mais tradicional bloco em atividade no carnaval carioca, o Cordão do Bola Preta.

E para a alegria de todos nós, o Carnaval não acabou. Pirulito nos envia uma verdadeira aula de Cultura onde nos faz viajar no tempo, conhecer a origem de nossa maior festa e chamar a atenção para um dos maiores problçmas no carnaval de nossos dias: os mijões do Bola Preta, que na realidade se multiplicam pelas ruas do Rio de Janeiro.

Antecipadamente, agradecemos a colaboração de nosso confrade e amigo Ricardo “Pirulito” “Magrinho” de Moraes, e torcemos para que ele retorne com novas histórias. 

Da festa da colheita aos mijões no Bola Preta, algumas impressões sobre o carnaval e a cidade.
Por Ricardo de Moraes

Ao começar estes escritos é necessário observar que inicialmente  faremos apenas  um despretencioso passeio pela história, objetivando organizar e dividir impressões, com os amigos do blog e, rapidamente, abrir um discussão fazendo algumas reflexões sobre o carnaval.
Primeiramente é necessário entender, ainda que sem uma análise profunda, através da história chegaremos ao Bola Preta.

1) Das festas da antiguidade ao Carnaval – um pouco de história pra nos ajudar.
Quando o homem sai das cavernas, após a era glacial, descobre os campos e com eles a agricultura e sua relação com os astros (ARAÚJO – 2000).
A partir daí o homem passa a festejar o plantio e a colheita.
Surgem os cultos agrários.
No Egito – festeja-se o terreno fértil para o plantio com o fim das cheias nas margens do Nilo. A valorização das coisas boas dá origem ao culto a divindades como Ísis – a mãe – com cultos secretos para iniciados e ao Boi Ápis – enterrados mumificados.
A junção do culto a esses dois deuses transformou-se na mais grandiosa festa da antiguidade.   
Cantos e danças em torno de fogueiras. Máscaras e adereços, já eram características que marcavam as diferenças sociais. O culto a liberdade e a  beleza do corpo imediatamente levam a orgias e libertinagens.
Terra, fertilidade, fecundidade inspiram comemorações na Pérsia com a deusa Naita, da fecundidade e Mitra, a deusa dos pastores. Já na Fenícia a fecundidade é comemorada sob a inspiração da deusa Astartéia. A pomba representa a Grande Mãe protetora da fertilidade em Creta.
Na Babilônia as comemorações ganham o contorno das inversões (DaMATTA- 1997) marcadas pela troca de papéis entre senhores e servos, além da licença sexual e com o sacrifício de um escravo para o rei no quinto dia das festas. Eram as Sáceas.
Na Grécia as classes sociais são bem mais definidas nos festejos da fertilidade, que se tornam uma válvula de escape para as tensões sociais. O sexo as bebidas e as orgias são incorporadas às comemorações, além de elementos procissionais. O culto ao deus do vinho, Dionízio oficializado por Pístrato (605 a 527 a.C.) tem como característica a imagem do deus num carro/barco sobre rodas. O carro naval (seria daí a origem da palavra carnaval?).  
Em Roma Baco – o mesmo deus do vinho, Dionísio da Grécia - é fetejado com os mesmos elementos: música, dança, algazarra, vinho, sexo e a violência como consequência, são as bacanais. 
As Bacantes, sacerdotizas de Baco, todos os anos invadem as ruas de Roma, aos gritos, acompanhadas de suas ninfas e provocando escândalos, até a proibição das bacanais pelo senado em 186 a.C.
O culto pagão só termina quando, em 590 d.C., o Papa Gregório I oficializa os festejos através do novo calendário eclesiástico que estipula a quaresma e a terça feira, quarenta dias antes da Semana Santa como o dia do Carnaval. Com isso o Carnaval se expande para outras cidades como Paris, Veneza, Nice, Nuremberg e Colônia.

2)  Da Europa ao Brasil – a chegada do carnaval
Resultado das bacanais de outras épocas, o entrudo dá início à quaresma na Europa. Suas batalhas de gesso e esguichos d’água compõem as comemorações trazidas pelos portugueses a um Brasil ainda colonial (MORAES – 1987).
O ano de 1641, com coroação de D. João IV em Portugal, comemoradas no  Rio de Janeiro, é considerado o início do Carnaval no Brasil, já o entrudo chega em 1723.(ARAÚJO – 2000).
A partir daí muitos fatos são de domínio daqueles que, por algum motivo, têm interesse no Carnaval e sua história no Brasil e no Rio de Janeiro. Contudo, destacamos alguns acontecimentos como as desencontradas informações para o surgimento dos “Zé Pereiras” e do “Abre Alas” de Chiquinha Gonzaga – primeira música composta para o cordão Rosa de Ouro, especialmente para o carnaval.
Queremos também dar destaque aos corsos com seus inúmeros carros na Avenida Central (atual Rio Branco), os grandes bailes e as Grandes Sociedades.
Cabe aqui lembrar que o samba rapidamente caiu no gosto popular e até hoje embala as comemorações do carnaval. Também lembramos “Pelo telefone” de Donga e Mário de Almeida – o primeiro samba a ser gravado, o surgimento dos blocos de sujo e das Escolas de Samba.

3)  Carnaval e a cidade - Reflexões a partir do Bola Preta
Fundado como uma das Grandes Sociedades o Bola Preta (1918), época em que ainda existiam banheiros públicos pelas ruas do Centro do Rio, escarradeiras havia até mesmo nos açougues.
Na Praça Tiradentes, na parte voltada para as ruas da Carioca e Sete de Setembro, um banheiro público com azulejos portugueses foi soterrado por sucessivas e infelizes reformas do outrora, Largo do Rócio.
 Aqui a imprensa e o poder público por décadas investiram num carnaval dirigido, represado nos bailes e nos desfiles das Escolas de Samba. Talvez pela ausência do estado de direito num país sufocado por ‘duas ditaduras, no mesmo século e do advento do carnaval como negócio.
Nesse contexto após o fatídico Golpe Militar de 1964, a permanência de um discurso oficial nos mídia fez com que o carnaval carioca, em particular, ficasse reduzido a uma clausura tal, que alavancou o crescimento do carnaval em outros estados do país.
O esfacelamento da Ditadura Militar e o reestabelecimento do estado de direito na década de oitenta do século passado, favoreceu outra forma de organização dos foliões. Essa nova organização também é consequência de um discurso politizado e, ao mesmo tempo, irreverente dos blocos da zona sul do Rio de Janeiro. 
A desatenção com o retorno de um carnaval com esses componentes implicou no que hoje se substancia com a crítica aos mijões, e é exatamente daí que vem nossa maior crítica aos mídia, ao poder público e aos desavisados.
Vamos então rebobinar um pouco a linha do tempo, pois a partir dessas observações chegaremos ao Bola Preta que consideramos um universo muito fértil para nossas reflexões.
Primeiro o poder público enterra hábitos, depois os mídia reclamam, a sociedade faz côro e alguém ganha muito com isso tudo. Uma fórmula já consagrada por aqui. 
Enquanto isso a desorganização ganha promoção.
O exemplo é a privatização do espaço público quando, indivíduos se apropriam de bueiros e ralos, os cercam e cobram R$ 1,00 (um real) para foliões, mais apertados, se aliviarem.
Mais uma vez os mídia se arvoram, sabe-se lá porque(?),  em fazer uma campanha contra mijões, numa cidade onde o uso de banheiros públicos foi enterrado.
Seria como se a população inteira acordasse nos dias dos blocos e concluísse: “Nos que não temos a cultura de banheiros públicos durante anos, nesses dias de folia, seremos educados e limpinhos”.
Ridículo!
Assim vemos hoje a população e o governo num certo descompasso com a realidade, mesmo quando há consenso sobre a necessidade de avanços na estruturação e ordenamento da cidade, do carnaval e de sua economia.
São motivo pelos quais passamos a fazer algumas perguntas:
- Por que se enfatiza tanto o uso de banheiros químicos, por exemplo?
- Por que não aproveitar a oportunidade do carnaval e observar como podemos organizar melhor a cidade?
- O carnaval não pode ser um grande ensaio para Copa do Mundo e para as Olimpíadas?

4)     Pra quem quiser mais informações recomendamos como leitura as obras que nos servem de referências:

ARAÚJO, Hiram. Carnaval, seis mil anos de história. Graphus. 1ª. Ed. Rio de Janeiro. 2000.
DaMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
MORAES, Eneida. História do Carnaval Carioca; revista e atualizada por Haroldo Costa. Record, Rio de Janeiro, 1987.

Um comentário:

Ricardo de Moraes disse...

thyperOi pessoal,

Obrigado pelas carinhosas referências ao me apresentar no blog.
Quero somente fazer uma retificação.
Embora tenha participado desde sempre no Simpatia, participado do cocurso de sambas durante muitos anos (sem ter obtido uma votória sequer), não estive na fundação do bloco.
Fica o registro só pra não passar como falsa informação.
Grande abraço.
Ricardo de Moraes