segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

"Penso, logo existo"

 Robson Huebra, nosso amigo e parceiro, Robson Pirata, é o filósofo de nosso Grupo, e pelo visto está cada vez mais empolgado em enriquecer nosso blog com seus textos que nos faz pensar, e isso é bom, pois assim nos lembramos que nós existimos.

“Essa pergunta do face, no que você está pensando, é uma pergunta universal. "Penso, logo existo." A existência humana é um fluxo de pensar continuo. Estamos o tempo todo a pensar. Pensamos no que vamos comer, no que vamos falar, em como vamos resolver aquele problema, aquela equação. Pensamos no que aconteceu ontem, naquilo que está rolando nesse momento, em como iremos nos comportar amanhã, seja naquele encontro, seja naquela reunião, seja na entrevista de emprego. " O pensamento parece uma coisa a toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar... Felicidade foi embora e a saudade no meu peito ainda mora". O pensamento é a ponte, que liga o indivíduo que deseja conhecer, ao objeto que precisa ser conhecido. Assim, caminhamos por esse mundão pensando sem parar. Agora, penso que essa pandemia veio, como uma freada brusca de um ônibus, chacoalhar à todos, fazendo com que posicionados em outros lugares possamos rever nossos conceitos. Vejam bem, em dois anos nossas vidas mudaram completamente. Os amigos não nos rodeiam mais, as viagens ficaram raras, trabalhos foram perdidos, modificados, a coisa virtual se consolidou. Ave! Internet. Penso que nunca pensamos tanto. Penso que tudo parece muito diferente, não há mais leveza, não há mais paciência, não há mais romantismo. O movimento é rude , seco , objetivo demais . Penso, meus amigos, que urge nesse início de século, uma necessidade de uma reflexão séria no sentido de buscarmos o tempo perdido. Proust já escreveu sobre isso, mas nós precisamos escrever também. O tempo, uma invenção do homem, precisa ser ocupado por nós de forma mais amorosa, ética e pragmática, pois afinal é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. No que você está pensando?”

Robson Pirata

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Conversa de menino


          Em 1970, minha vida era vivida no ritmo que é dado a um menino carioca de 13 anos; escola, brincar e ir à praia com os amigos; era tudo com o que eu tinha que me preocupar. Não mais do que isso.

Foi o ano em que o Brasil sagrou-se tricampeão no México. Um ano também, em que os porões da ditadura selavam o destino de muitos brasileiros contrários ao regime de governo da época. Eu tinha 13 anos e ouvia meu pai dizer que a “coisa estava feia” e não entrava em detalhes.

Estávamos em pleno auge da ditadura. Havia um sentimento estranho no cenário político da época. Vale dizer que em 1969, Marighela foi morto pela polícia em São Paulo e a imagem dele metralhado dentro do carro, estampava as primeiras páginas dos jornais. Um horror de ser visto nas bancas de jornais! Isto recentemente me fez lembrar que ele foi meu vizinho no 131 da Correa Dutra. Ele morava no apartamento 804; e lembrei também, que estive no apartamento dele, junto com um amiguinho e o pai dele, que conhecia Marighela e talvez por ser vizinho do 803, baiano também ou simpatizante da causa, entramos no apartamento dele, nem sei porque. Isto aconteceu, possivelmente em 68.

Certo dia, conversando com Puck, movido talvez pelas notícias que circulavam naquela época, sobre terroristas, prisões, comunistas, torturas e não lembro mais o que, comentei que se eu fosse polícia, eu saberia como lidar com eles.  Seria fácil obter informações dos “vermelhos” aplicando algumas técnicas de tortura. A inconsequente e desvairada imaginação de um guri com 13 anos ou um pouco mais, se evidenciava naquele momento.

- Sabe, Puck? Pra mim seria fácil fazê-los falar! Entregariam tudinho!

- É? E o que você faria de novidade, sabidão?

- Bom, tem aquela tortura chinesa de deixar um pingo d’água caindo na testa...

- Peraí! Essa já existe!

- Eu sei, cara! Deixa eu falar! Deixava os pinguinhos caírem e aproveitava que enquanto eles estava amarrados, enfiava um prego enferrujado bem no buraco do pinto deles! Imagine! Além da dor, morreriam de tétano! Viu, que ideia genial?

Pude ver os olhos arregalados do Puck e ri ao vê-lo num misto de assombro e incredulidade, ao perceber que aquele guri, que ele considerava como amigo, pensava em tal atrocidade.

Passaram-se mais de 20 anos desde que tive esta conversa com Puck.

Certo dia acordei, abri a janela e pude ver o sol nascendo e iluminando o rio Danúbio. Meu apartamento modesto, com poucos móveis, situava-se em Budapeste, na Hungria, na avenida Nagytétenyi út, nº 157 – 3º andar; com vista para o famoso rio. Um espetáculo que acalentava minha solidão; tantos anos longe do Brasil, longe dos amigos e do jeito brasileiro de ser. Meu olhar perdido em lembranças.

Vivia apenas para o trabalho e não me dava o direito de ter amigos, nem de casar, ter filhos, estas coisas que as pessoas normais fazem ao longo da vida. Acordava e ia para o trabalho de instrutor da Academia de Polícia Húngara - Magyar Rendőrakadémia, treinar jovens policiais em técnicas de combate às quadrilhas de milicianos e inimigos do governo.

Nesta época, escrevi um manual: "Az ellenséges meggyőzési technikák és a városi gerillataktika katonai gyűjteménye” – Compêndio paramilitar de técnicas de persuasão e táticas de guerrilha; sendo este o material aplicado no treinamento daquela horda sanguinária comunista.

Muitas noites ficava acordado, insone, pensando como eu fui parar naquele país. Nunca tive simpatia pela ideologia marxista, apesar de ter lido muito sobre a revolução russa – mais por interesse em evitá-la do que pela vontade de vive-la. Mas isto é outra história. Outro dia eu conto.

Youseph Trinks era um jovem de vinte e poucos anos, que estava em seu estágio de aprendizado e treinamento. Vinha de uma família de camponeses e tinha deixado sua mãe e duas irmãs adolescentes no interior, em Érpatak, cidadezinha a 150 km, onde morava. Seu objetivo era dar conforto a sua mãe e bons estudos às suas irmãs; por isso, ingressou na polícia húngara com ambições de ascensão funcional e ganhos satisfatórios.

Testei várias vezes o pobre Youseph. Queria ver até onde ele iria em seus escrúpulos e objetivos. Do que seria capaz de fazer. Por diversas vezes, entreguei a ele, o comando de algumas tarefas que qualquer cristão com um mínimo de sanidade se recusaria. Uma delas, era obrigá-lo a beber 1 garrafa de pálinka – bebida típica húngara, podendo chegar a 70% de teor alcoólico; entregar-lhe uma pistola e pedir que atirasse em um isqueiro, sobre a cabeça de algum prisioneiro. Demorou um pouco, mas o rapaz, acabou se saindo bem, depois de 18 tentativas, é fato – tornou-se um exímio atirador. Um outro teste foi colocá-lo em uma piscina com duas anacondas famintas e dois prisioneiros com as mãos e pés amarrados. A missão seria, livrar os prisioneiros sem que as anacondas pegassem os três. Mais uma vez, Youseph custou a se sair bem. Não posso dizer o mesmo dos prisioneiros; que invariavelmente não colaboravam. Mas depois de 10 tentativas, Youseph conseguiu salvar os dois prisioneiros, entendendo que primeiro tinha que liquidar as anacondas – óbvio, né!?

Quando me aposentei fiquei sabendo que o tal compêndio havia sido extraviado da academia e podia ser encontrado no submundo das ruas de Budapeste. Existia uma livraria (!!!) especializada em assuntos obscuros e nefastos e que somente alguns clientes muito especiais sabiam como chegar até ela. Assuntos como cabala egípcia, livro de receitas etrusco ensinando a fazer poções venenosas, manual de sexo tântrico para homens-tronco, Tratado de odontologia ensinado extração de dentes sem anestesia, manual de como diminuir cabeças embebidas em poções naturais, manual de tortura javanesa, o livro sagrado de sacrifícios aztecas; enfim, cada coisa arrepiante. A livraria pertencia a uma senhora, chamada Nalatrinova Cortezana – “a bruxa”. Figura assustadora, tinha o cabelo vermelho e a pele cheia de sardas, usava um tapa-olho para disfarçar o buraco deixado por um câncer no globo ocular e dentes limados em formato de presas, combinando com suas unhas em forma de garras. Com 2,10 m de altura, Nalatrinova dominava praticamente, todos os assuntos de sua livraria (?). A última notícia que tive, a seu respeito, foi que havia sido capturada pelo Estado Islâmico, para que os ajudasse a montar uma franquia de sua livraria, nos arredores de Kabul, no Afeganistão.

Sendo assim, prezados, minha conversa com Puck tomou um rumo inesperado, que jamais poderia imaginar. Agora faz parte de um mundo, ao qual me distanciei há muitos anos, me convertendo ao islamismo neo-contemporâneo com influência flamenca.

Vivo em uma pequena casa, feita de troncos de eucalipto, próximo a uma cachoeira, em contato permanente com a natureza, buscando paz para meu coração. Quem sabe um dia, escrevo um livro ou conto minha história para um seriado da Netflix? Sei lá. Deixo a vida me levar...

Menino Kibe